Semana passada a cantora e escritora Elvira Helena, lançou no Teatro Gamboa Nova, em Salvador seus dois rebentos de uma vez, o Livro e o disco!
Adorei ler o Livro e adorei ouvir o disco, essa menina, carioca da gema que se tornou meio baiana, não é moleza não!
Parabens Elvira pelos seus dois lançamentos lindos!!!
Eu queria falar aqui apenas do disco de 1979, 5º disco independente brasileiro, por ele fazer parte da minha discografia. Mas é inevitável que eu conte histórias que considero muito interessantes aqui, uma vez que esse disco não é apenas um disco nessa discografia, foi o primeiro disco de minha carreira, portanto além fazer parte da minha vida, ele também é o começo oficial da minha carreira artística/musical. E hoje, 40 anos depois, estou de novo encontrando meus amigos/irmãos dessa banda, para gravarmos o disco comemorativo de 40 anos da gravação desse primeiro.
Minha primeira banda foi “Os Tigres”, que depois mudei para Scorpius, porque tinha outra banda com o mesmo nome. É fato que a partir daí eu já andava a mil tocado em muitos lugares, com meu então conjunto. Montei essa banda, e comprei um equipamento inteiro na loja Hofmann, situada no Terreiro de Jesus, com seu gerente e dono Sr Hugo Hofmann, quem tinha por mim muito carinho. Eu, garoto de meus 16 anos, vivia indo nessa loja porque lá tinha muitos equipamentos musicais, e instrumentos. Toda vez que eu começava a provar os instrumentos, a loja enchia de fregueses, e o Sr Hugo adorava isso. Então um belo dia, eu quis comprar tudo de uma vez: Uma guitarra (Snake Azul – Semi-acústica, c/ distorção embutida), 1 Super Tremendão um Super Thunder Sound, um A 200 e uma bateria Gope. O Sr Hugo me falou que queria conhecer meu pai. Eu levei meu pai lá, dizendo que era apenas para eles se conhecerem, mas quando eles conversaram, o Sr Hugo pediu que meu pai assinasse as parcelas. Claro, eu ainda era de menor. Na saída da loja meu pai me chamou num canto e disse: Se você atrasar uma só parcela, eu devolvo tudo isso pra loja. Mas deu tudo certo, eu paguei tudo direitinho, fazendo bailes e festas. Eu era o cantor da banda, e éramos sucesso.
Até que um dia resolvi fazer um show no Teatro Vila Velha. “Bombou total” que até derrubaram os portões do Teatro. Nesse show eu lembro muito bem. Toquei com uma camisa dourada, feita por minha mãe, botas pretas até quase o joelho, cabelos pintados de azul. Cantei dentre o repertório Whole Lotta Love de Led Zeppelin… Depois do sucesso desse show, a banda um pouco chata, se sentindo muito importante talvez, pelo orgulho do sucesso, ficou difícil ensaiar. Daí eu, que já conhecia Raul, saí da banda, eles viraram dois anos depois Chiclete com Banana, e se tornaram o maior sucesso, e eu fui integrar a banda Mar Revolto, a chamado de Raul, fazendo minha historia em outra direção.
Geo, Luiz, Raul e Octavio.
Minhas primeiras gravações em estúdio foram com certeza parte importante em minha vida musical. Foram Jingles feitos em Salvador na década de 70, e ainda lembro da minha admiração quando entrei nos estúdios da JS, que ficava ali na Rua da Ajuda, no centro de Salvador. Era uma sala espetacular e uma técnica normal para um bom home estúdio, se fosse hoje. Mas ali tratava-se de um estúdio profissional de 4 (quatro) canais, e embora só funcionassem 3 canais, era incrível se poder fazer playback. Essa coisa de home estúdio só veio a se falar 30 anos depois, e hoje eu tenho o meu, e posso gravar até 12 canais simultâneos, com resolução inimaginável nos anos 70, e igual a qualquer estúdio profissional de hoje. Acho que quem me levou pela primeira vez nesse estúdio, foi um vizinho nosso da ladeira do Carmo nº 41, Douglas. Ele era cantor profissional do Trio Iraktan. Morava colado em nossa casa, o nº 43. Casa essa que foi palco dos ensaios de quase toda geração de musicos daquela época em Salvador. Tanto que muitos deles dessa época, homenagearam a minha amada vó Carmen, em seus shows. Muito tempo depois disso abriu em Salvador o estúdio “WR”, de Rangel, onde se deu a impressionante demanda, que até hoje se duvida, do tanto de gravações que acontecem em Salvador para a indústria fonográfica. Na WR eu gravei muita coisa, e dessas a que mais me lembro foi um disco de Sarajane, eu dividindo os arranjos com Alfredo Moura, ela, então sucesso de público e cítrica, que divide opiniões até hoje quanto a criação do Fricote, e depois Axé, com Luiz Caldas.
Luiz Caldas, que eu conheci numa das viagens do Mar Revolto a Ilhéus para um show.
Estávamos no nosso ônibus fretado para a viagem, e paramos na praia. Entrou aquele menino moreno, franzino, cheio de cachos no cabelo, e um violão na mão. Eu tinha ficado no ônibus pra receber ele e me assustei com o talento. Ele tocou pra mim uma sequência de clássicos, e depois de música popular, que me deixou perplexo. Tocando pra caramba. Eu falei pra ele…. porque você não vai pra Salvador???
Um ano depois ele estava em Salvador começando a montar seu grupo, que depois veio a ser chamado de “Acordes Verdes”, daí pra frente estourou com impressionante sucesso que durou muitos anos.
Mas voltando a nossa conversa, esse disco foi o primeiro projeto próprio que gravei de verdade, Grupo Mar Revolto, fundado em 1973 por Raul, Octávio, Geo e Sílvio, com sua formação tradicional em 1975 com a minha entrada. E um ou dois anos depois entrou o percussionista Vicente dos Santos, que foi um dos precursores da percussão livre. Minha memória é péssima pra isso, eu tinha que consultar antes Octávio, que sempre foi nossa memória. Daí em diante foi uma sequência muito intensa de ensaios e shows, festivais, Colégios, Cinemas e tudo que estava a volta. Paralelo a isso nossas composições estavam a mil. E quando fomos gravar esse primeiro disco em 1979, já estávamos morando no Rio de Janeiro, onde nos estabelecemos em 1977, indo morar no Recreio do Bandeirantes, num lindo sítio muito próximo ao que ainda existia nessa época, e famoso”sítio dos Novos Baianos”. Logo nos ambientamos ali, ensaiando e compondo todos os dias, com todo nosso equipamento montado no fundo da casa, começaram a aparecer alguns trabalhos fora de casa. Nosso equipamento trazido de Salvador foi: Dois amplificadores de guitarra, o meu era Snake com 2 caixas de 4 alto-falantes de 12′ e o de Geo um Palmer, um Snake de Baixo com 2 caixas cada uma com 4 alto-falantes de 15′, 4 potências Snake que alimentavam nosso PA Snake de: 4 caixas de Sub grave, 4 de médio-grave, 4 cornetas de médio e 4 drives de twitter (agudos). Isso comandado por uma mesa Giannini de 12 canais, uma bateria Pinguim, feita sob encomenda, com 2 bumbos de 24′, 2 surdos, um de 18′ e um de 16′, 4 tontons, era um colosso pra gente, e até hoje é. Tínhamos uma fender stratocaster de Geo, uma Gibson Les Paul que tenho até hoje, e um Baixo Giannini modelo EB3 da Gibson, comprado em 1975 por Octávio na Primavera, tradicional loja de música de Salvador. Octávio tocava o baixo daquele jeito canhoto sem virar as cordas, como só ele até hoje toca. Microfones shure, enfim… tínhamos tudo que uma banda daquela época poderia almejar. Minha Gibson Les Paul Custon teve uma história incrível. Ela foi comprada pra mim pelo grupo com Octávio `a frente, porque eu não tinha o dinheiro. Ela apareceu na mão de um conhecido doidão, que estava com ela as voltas pra vender, provavelmente pra comprar LSD, que na época era a maior febre em Salvador. Agora imaginem que estávamos no auge dos anos 70, ano dos encontros Hippies do mundo inteiro em Arembepe, um tipo de aldeia colada em Salvador, que reuniu gente nada menos que Janis Joplim, que eu cheguei a ver, andando doidona no Porto da Barra, com seu cantil de cachaça baiana da boa a tiracolo. Falava-se que os ácidos (LSD) vinham em grande quantidade diretamente de Londres pra nossa terra, e a gente não se negou a olhar. Quantas vezes o Mar Revolto, em nossa casa na Boca do Rio, as vezes rolaram essa convivência lisérgida do tamanho daaquele nosso momento!!! Um pouco mais tarde, talvez em 1975, eu conheci pessoalmente Eric Clapton, que veio a Salvador de férias, e ficou hospedado na Pousada do Largo do Carmo, onde eu me criei, e com ele Yvonne Elliman, que protagonizou o filme “Jesus Cristo Superstar, e seu empresário Robert Stigwood, a quem eu Sílvio, e Raul, mostramos uma fita de rolo do Mar Revolto, em petit comite em seu apartamento na pousada do Carmo. O cara não acreditou na pancada de som, vindo daquele mundo distante pra eles naquela fita de rolo…. O Eric chegou a ir na minha casa, mas com instrução expressa do Robert, de não fumar e não tocar, porque estava de férias, mas chegou a dar uma palhinha pra mim, que até hoje nunca esqueci.
Voltando ao sítio do Rio…
Daí veio uma parceria para o lançamento de Zezé Motta (a Xica da Silva), como cantora, produzida por Guilherme Araújo. O Guilherme nos contratou para acompanhar a Zezé, com a condição de dividir o show com ela, assim ele nos pagaria metade do que o Sílvio pedira, mas teríamos a contra-partida da divulgação de dividir o show com ela. Então era “Zezé Motta e grupo Mar Revolto”. Essa foi uma Tournée muito importante pra mim, e pro grupo claro! Ficamos 2 meses com intervalo de um mês , no Teatro Ipanema, com a casa lotada. Lembro que nosso show era as 21hs, mas as 18hs tinha uma peça incrível chamada “Trate-me Leão”, com o não menos incrível grupo “Asdrubal Trouxe o Trombone”, com Regina Casé, Evandro Mesquita, Luiz Fernando Guimarães, e mais outros tantos talentos, que se não me engano estavam estreando por nessa época. Todos muito famosos hoje. Eles começavam as 18hs e terminavam as 20hs, quando estávamos chegando pra montagem, todos os dias. Ficamos amigos e alguns como Regina e Evandro, até hoje nos batemos em algumas situações. Já mandei até musica pro Evandro pra fazer uma parceria, mas nunca vingou. O show era muito legal, com Zezé cantando e dançando muito, e o Mar Revolto descendo a mão. Fazíamos no meio do show uma parte só nossa. Inicialmente o Tomaz Improta fazia parte, porque o Guilherme Araújo convidou Dorí Caymmi para fazer a direção musical, e el deve ter chamado o Tomaz, que já era um músico consagrado aqui no Rio, pra tocar piano, que nós não tínhamos. Lembro o Dorí foi no terceiro ensaio e já estávamos com o som todo arrumado. Ele aí falou assim: que mamata, me chamaram pra dirigir o que já está pronto, agora é só ensaiar até estrear! Mas depois da esteia quem assumiu o piano, na cara de pau, fui eu mesmo. Acredite quem quiser… E ainda tocava flauta transversal.
Asdrubal Trouxe o Trombone
Depois dessa temporada no Teatro Ipanema, entre outras viagens, fizemos uma temporada no Teatro Vila-velha em Salvador, com um grande sucesso também. E mesmo depois do Mar Revolto se separar da Zezé, eu ainda fiz alguns shows com ela, junto com o Mini Paulo no baixo, e um batera que me foge o nome. Chegamos a ir duas vezes a Buenos Ayres com ela, porque o guitarrista que tinha entrado na gig quando o Mar Revolto saiu, foi o Victor Biglione, e ele estava devendo serviço militar na Argentina, então fui eu.
Está aí então esse super disco “Mar Revolto” 1979, que gerou infinitos desdobramentos na minha vida, e na de muitas outras pessoas.